quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Amélia

      A primeira impressão é a que fica – para trás. Pelo menos no meu caso. A imagem inicial que tenho tanto das coisas como das pessoas não tem nada a ver com a que se constrói depois de um tempo.
      E foi assim que minha primeira impressão da Amélia que era mulher de verdade ficou para trás. Quando conheci a Amélia, ela estava sendo homenageada em um Samba (1941) – Composto por Mário Lago e com melodia de Ataulfo Alves.
“Ai, meu Deus, que saudade da Amélia
Aquilo sim é que era mulher
Às vezes passava fome ao meu lado
E achava bonito não ter o que comer
Quando me via contrariado
Dizia: "Meu filho, o que se há de fazer!"
Amélia não tinha a menor vaidade
Amélia é que era mulher de verdade”
      A Amélia que conheci anteontem estava com chapinha no cabelo, maquiada, de salto alto, cheia de acessórios e usando um perfume que combinava com seu humor. Tinha passado o dia na frente do computador resolvendo problemas pelo telefone e pegando trânsito no final do expediente. Mesmo sem gostar de sutiã, usava um.
      Todas as manhãs quando o despertador tocava, mal tinha força pra jogá-lo na parede de tanta preguiça que sentia. Preparava o café da manhã dormindo. Certa vez usou a colher do arroz como medida para o pó do café no lugar de uma colher de sopa e nem percebeu o engano. Já virou uma chaleira com água quente a ponto de cair a tampa e queimar seus dedos. Já fez pipoca para o almoço. Já fez mudança com panela cheia de gordura dentro do forno do fogão.
      Algumas vezes parou de varrer a casa e foi passar trote no telefone. Quando estava entre amigos tentava falar o alfabeto arrotando ou fazia barulho com o pé quando ia sentar pra parecer um peido. Tirava ‘caquinha’ do nariz e guardava debaixo da mesa ou na lateral da cama. Cheirava o sovaco para ver se o desodorante já estava vencido. Não tinha a ponta do dedão já que tropeçava até onde não tinha coisas para tropeçar. Ia em festas só pra comer. Não sabia fritar ovo.
      Quando passava roupas, geralmente, elas ficavam piores do que estavam. Não tinha livro de receita feito à mão. Não sabia tricotar nem fazer fuxico. Mas, sabia fuxicar como ninguém! Decorava a casa com seus vários pares de sapatos espalhados.
      Era romântica. Escrevia cartinhas à lápis. Quando a ponta quebrava ela sempre tentava colocar de volta para continuar escrevendo. Quando errava, tentava apagar com o dedo e deixava tudo borrado. Era fã do Beto Barbosa. Já foi fã da Sandy também. Mas, deixou de ser porque não poderia mais considera-la mulher de verdade. O que a Sandy aguenta rindo muitas não aguentam chorando.
      Essa aí era a Amélia. Amélia que era mulher de verdade!
      Talvez essa não seja a mesma Amélia do Mario Lago. Talvez essa Amélia seja um pouco de mim, um pouco de você. Talvez a Amélia dele ou essa nunca tenham existido. Talvez eu tenha inventado tudo isso.

2 comentários:

Jeferson Cardoso disse...

Coincidência, mas Amélia também é o nome de uma personagem do conto que estou trabalhando em meu blog. Mas a Amélia do meu conto ainda não serviu pipoca no almoço [sorria]. Incrível essa Amélia que descreveu aqui! Amélia é que era mulher de verdade; e pronto, Fabí.

“Para o legítimo sonhador não há sonho frustrado, mas sim sonho em curso” (@JefhcardosoReal)

Convido-te para que leia e comente ‘A PEQUENA LOJA’ ao pé da pagina inicial do http://jefhcardoso.blogspot.com

Nubia disse...

Acho que com tempo estamos ficando bem menos Amélia da música e mais à do seu conto. Deveríamos
pensar mais sobre isso e tentar equilibrar um pouco das duas.

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Fabí Assis Barddal
Uma inútil que acredita que a inutilidade um dia vai dominar o mundo. Por formação sou Engenheira Agrônoma Paisagista e escritora
por pura preguiça de trabalhar. Também corto cana nas horas vagas.
Nada disso me deu dinheiro, só muito prazer.

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